Verónica

Assim é que era a Espanha pre-olímpica.

Ao contrário do que a maioria social, quem escreve isto não é especial fã de Paco Plaza. Antes pelo contrário. Por isso Verónica resultou uma grata surpresa.
A priori, Verónica tem a aparência dum filme prototípico de possessões e exorcismos, com os habituais jump scares estrategicamente repartidos para evitar que a audiência adormeça. Mas nada disso: a ideia de partida é um facto verídico que acrescenta certo interesse sobre o carácter sobrenatural da premissa. Eu próprio lembro o caso, como foi a base para um cento de lendas urbanas e a origem da moda do espiritismo entre os adolescentes durante o início da década de 1990.

Ouija num dia de eclipse solar: uma ideia ruim.

E aqui outro mérito do filme: a reconstrução minuciosa da época e o entorno social da protagonista. Os anúncios televisivos, os brinquedos, os produtos de alimentação… todo conflui numa celebração nostálgica de tempos passados. Uma celebração de tempos não necessariamente mais felizes, já que o filme não poupa elementos sombrios daqueles anos, como o auge da heroína ou as canções de Heroes del Silencio. Porém absolutamente tudo, compõe um retrato naturalista reconhecível da vida num bairro operário de Madrid, coroado pelas actuações debutantes da protagonista e os seus jovens irmãos.

Um dos méritos: o elenco de actores não profissionais.

E assim é mais efectiva a intervenção sobrenatural. Verónica, filha da classe trabalhadora, órfã de pai, com uma mãe ausente devido à exploração na hotelaria; deve cuidar os seus irmãos mais jovens, o que lhe faz sentir-se superada pelas circunstâncias numa época na que supostamente vivíamos por cima das nossas possibilidades. A desejar o contacto do pai defunto, participa numa sessão de ouija durante um eclipse; algo que não demora em mostrar-se como uma ideia terrível. Desde então padece a típica epilepsia demoníaca, tem visões fodidas e sente umas “presenças” que ameaçam os seus irmãos. E claro, o filme brinca com a ambiguidade de se as suas suspeitas são certas e alguém do além (o próprio pai?) quer destruir a sua família; ou se simplesmente Verónica está a perder a cabeça e é ela quem representa a verdadeira ameaça, o que também não seria estranho se considerarmos o stress ao que está submetida.

Possuída ou demente?

Sem ser uma absoluta maravilha, é um filme bastante decente; com vários graus de qualidade por cima das habituais fitas de fantasmas e espíritos.

  • A favor: O retrato naturalista do entorno socio-económico.
  • Em contra: Talvez a elegante Ana Torrent não seja a melhor opção para uma mãe working class.

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