O 2017 era isto

Houve um tempo no que a gente olhava para o horizonte do ano 2000 como “o futuro”. O ano estava envolvido em todo tipo de fantasias. Havia como sempre quem pensava nele como fim do mundo (acho que eram asteróides os causantes). Outros tinham uma perspectiva mais modesta, mas sombria na mesma: os computadores falhariam por um defeito de fábrica (o efeito 2000). Não faltava certo optimismo sobre a exploração espacial ou sobre todo tipo de aparelhos sofisticados para facilitar a vida.


Acabamos de entrar no décimo-sétimo ano deste século e não foi para tanto. Com certeza, ficaríamos admirados com muitas das inovações que constituem já parte da paisagem do nosso quotidiano, e até nos surpreenderíamos com alguns acontecimentos histórico-políticos. Mas dá para insistir: nem foi assim para tanto.


No passado houve filmes de carácter futurista que retratavam o ano que recém iniciamos. E há quase unanimidade: talvez pela exageração de tendências que se observavam na altura, as perspectivas sobre o 2017 poderiam ser todas agrupadas naquele sinistro género das distopias. Guerras, governos totalitários, alienação e até o fim do mundo tal e como o conhecemos. Aqui recolhem-se algumas, ordenadas desde as mais próximas até as mais longínquas.

Terminator Genisys (2015)
Sinopse: Em 2032, a guerrilha de John Connor (Jason Clarke) está pronta para lançar a ofensiva final contra as máquinas de Skynet. Contudo, a esquadra do líder carismático não se une ao ataque decisivo, senão que opta por um objetivo aparentemente menor. Invadem umas instalações secundárias porque Connor sabe que o sistema de inteligência artificial, como último recurso antes da derrota, enviará desde ali um robô T-800 (Arnold Schwarzenegger com 37 primaveras) ao ano 1984 para assassinar a sua mãe, impedir o seu nascimento e decepar a liderança do movimento de resistência humana. Vencem Skynet, mas não podem evitar o envio do ciborgue sicário ao passado; pelo que o soldado Kyle Reese (Jai Courtney) oferece-se para viajar também no tempo e proteger Sarah Connor (Emilia Clarke).
Sobre o filme: Quinta e última entrega da saga que rivaliza com a sua antecedente Salvation em ser a pior de todas, dissera o que dissesse James Cameron na promoção. Insiste em demonstrar que Arnold Schwarzenegger está «velho, mas não obsoleto»; e parece que não consegue. Como principais argumentos, a história oferece explosões, perseguições, disparos e robôs atravessando paredes; o que não está mal. Para além disso, começa com uma digna homenagem ao primeiro filme. Infelizmente, e para evitar o simples remake, altera a linha histórica e derrapa quando pretende contornar os paradoxos temporais e os gigantescos buracos negros do guião; demonstrando que a melhor homenagem a Terminator teria sido concluir a saga no segundo filme.
Sobre o 2017: Rodada há três anos e estreada há dois, o 2017 que apresenta Terminator Genisys é fundamentalmente o 2017 que conhecemos. A única esquisitice é a existência duma máquina do tempo construida pelo T-800 em 1984 e em poder da companhia Cyberdyne Systems. Mas eles não fazem a menor ideia de como funciona, pelo que é como se tivessem nada. E a respeito disso: inicialmente Skynet queria atacar os humanos em 1997; mas como a linha temporal foi alterada, dalgum modo misterioso, o “dia do juízo final” adia-se até Agosto deste ano. Para a data assinalada, instalará-se em todos os dispositivos electrónicos um sistema operativo chamado Genisys. Este sistema interligará e assumirá a gestão de todas as funções informáticas do mundo. O qual é um problema: deixa a humanidade a mercê de Skynet e este sistema de inteligência artificial está a tomar consciência de que a principal ameaça para si são os seres humanos.

Click (2006)
Sinopse: O arquitecto Michael Newman (Adam Sandler) esforça-se por conseguir um ascenso na companhia para a que trabalha. Mas este esforço é à custa do tempo familiar. Progressivamente isolado dos seus seres queridos, Michael tem a oportunidade de observar as consequências da sua laboriosidade quando um esquisito trabalhador duma loja de venda a retalho (Christopher Walken) entrega-lhe um dispositivo de controle remoto com o que pode dominar todos os aspectos do seu quotidiano, assim como explorar o seu passado e o seu futuro.
Sobre o filme: Um dos mistérios insondáveis da existência humana é onde reside a comicidade de Adam Sandler. Eu, no mínimo, nunca consegui perceber a gente que acha piada em coisas destas. Porém se não houvesse mau gosto, amarelo não tinha graça. Nesta ocasião, Frank Coraci resgata um Chistopher Walken e um David Hasselhoff em queda livre para esta fábula moral que não deixa de ser a milésima versão moderna do A Christmas Carol dickensiano. Tudo, naturalmente, coroado com a moral que corresponde: por cima do dinheiro e do trabalho está a família. Tá bem.
Sobre 2017: Pouca coisa. Pelo rádio do carro de Michael, sabemos que Britney Spears está grávida do que será o seu vigésimo-terceiro filho. Sabemos também que Michael Jackson não apenas continua vivo, como é o primeiro homem em clonar-se e denunciar-se a si próprio por abusos. Humor.

Barb Wire (1995)
Sinopse: Para além de mercenária, caçadora-de-recompensas e gaja durona, Barb Wire (Pamela Anderson) gere o clube noturno Hammerhead, na cidade livre de Steel Harbor. Neutral em questões políticas, Barb Wire vê-se forçada a tomar partido por um dos bandos existentes numa América devastada, quando o seu ex-namorado (Temuera Morrison) acode a ela para conseguir fugir cara o Quebeque com a sua mulher Corrina (Victoria Rowell); uma importante científica com informação que pode comprometer o governo.
Sobre o filme: Barb Wire não é cinema explotation, não é simples cinema de acção, não é cinema de ficção científica e até haverá quem diga que nem é cinema. Mas é preciso valorizar todos os matizes da obra. Barb Wire não bebe apenas de filmes como Casablanca, constitui em essência um remake de série B do clássico de Michael Curtiz. Neste Casablanca das barracas, o seu realizador David Hogan, quem deve ser todo um bricalhão; substitui Humphrey Bogart por Pamela Anderson. Troco arriscado, certamente. A interpretação da atriz canadense foi laureada com a Framboesa de Ouro à «pior nova estrela de 1995», galardão meritório se consideramos que Pamela Anderson protagonizara no mínimo três produções com anterioridade.
Sobre o 2017: Os EUA acabam de sair da “Segunda Guerra Civil Americana”. O resultado é um governo do género nazi-fascista encabeçado pelo «Diretório Congressional» que, no mínimo numa ocasião, empregou armas biológicas contra a população civil. A democracia não existe mais. Todas as urbes estão sob a lei marcial a excepção da cidade livre de Steel Harbor. Contudo, esta cidade não é precisamente um destino de férias familiar. Imperam as máfias e é um fervedouro de nazis, proxenetas, punks, motards e guerrilheiros da Frente Unida (rebeldes). O dólar está desvalorizado e a gente prefere fazer as transacções em dólares canadenses. No que respeita à tecnologia, existem métodos de “interrogatório” bastante sofisticados e a identificação pessoal realiza-se mediante scanner ocular.

Fortress (1992)
Sinopse: O ex-militar John Henry Brennick (Christopher Lambert) intenta fugir ao Canadá com a sua esposa Karen (Loryn Locklin) para ter o filho que esta espera já que, ao ser a sua segunda gravidez, estão a violar a legislação de controlo demográfico dos EUA. John é preso na alfândega, julgado e sentenciado a prisão. É recluso num moderno cárcere subterrâneo no meio do deserto onde exerce como gerente o perverso Poe (Kurtwood Smith); quem controla os internos com câmaras, ciborgues e um chip corporal (intestinators) que pune as infracções com fortes dores abdominais ou com a morte até. Quando John descobre que Karen está também reclusa no centro, resolve salvar a mulher e protagonizar uma fugida.
Sobre o filme: Sem infâmia nem louvores passou esta produção australiana e dos EUA. A interpretação de Lambert, isso sim, foi atacada sem compaixão. Na realidade, não é o melhor filme de Stuart Gordon; a quem se deve ter certo carinho pelas suas loucuras lovecraftianas de inícios da década de 1980. Contudo, é um produto destinado ao entretenimento que consegue isso mesmo. E já é mais do que se pode dizer doutros filmes aqui resenhados.
Sobre o 2017: O clima político dos EUA é bastante fascistóide, o que não parece estar muito longe do 2017 real. Existem grandes desequilíbrios demográficos e o governo impôs uma estrita política de “filho único”, sem eximintes pela eventual morte do primogénito (caso dos protagonistas). A gente que, na mesma, quer ter um segundo filho, tem de emigrar ilegalmente ao Canadá ou a México. As condenas por infringir esta política são severas e podem alcançar os 31 anos de confinamento (caso do protagonista). O sistema penitenciário está total ou parcialmente privatizado. No caso da fortaleza do filme, está gerida pela companhia Men-Tel; a qual; não apenas controla os reclusos, também confisca os “filhos excedentes” para fazer ciborgues. Como os direitos humanos parecem coisa do passado, existem os “intestinators”, um género de bolas que se introduzem nos reclusos e que provocam dores ou a morte do preso rebelde por explosão abdominal.


Cherry 2000 (1987)
Sinopse: Quando se avaria o seu robô-esposa, e face a impossibilidade de adquirir um outro do modelo Cherry 2000, Sam Treadwell (David Andrews) deve contratar a caçadora-de-recompensas Edith E. Johnson (Melanie Griffith) para adentrar-se na desértica Zona 7, onde se acha uma velha fábrica de ginoides. O problema é que a Zona 7 está dominada pela banda dum cacique psicopático chamado Lester (Tim Thomerson).
Sobre o filme: Esta loucura oitentona que remete vagamente a Mad Max, não é precisamente o topo da carreira de Griffith. Contudo, o filme é um desfrutável produto da década. As actuações modestas, os diálogos ridículos, o absurdo da trama e a nostalgia fizeram com que adquirisse certo status de culto.
Sobre o 2017: Este é, com muito, o que oferece mais jogo. Os EUA estão divididos entre zonas urbanas e territórios baldios, provavelmente como resultado da chamada «guerra das fronteiras». Nas zonas urbanas encoraja-se activamente os cidadãos para reciclarem ou reutilizarem produtos velhos, possivelmente a consequência dalguma crise com os resíduos ou a produção. Existem ginoides ou robôs femininos desenhados para se ajustarem às fantasias masculinas heterossexuais. Isto compensa as grandes dificuldades nas relações humanas. O engate de 2017 exclui todo romanticismo ou namoro. Os pretendentes mostram-se vídeos de conteúdo íntimo protagonizados por eles próprios e, se ainda estiverem interessados, iniciam uma dura negociação sob supervisão dos respectivos representantes legais acerca de todos os pormenores da futura relação. Por outra parte, nas áreas desérticas imperam a pirataria e as bandas de criminosos. Na Zona 7 (antigo estado de Nevada) domina um grupo sectário sediado no enclave de Sky Ranch. São abertamente hostis aos caçadores-de-recompensas.

 

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