Depois de Wes Craven em Agosto de 2015, e George A. Romero o mês passado; este sábado deixou-nos outro dos grandes do género: o realizador Tobe Hooper, quem faleceu em Sherman Oaks (Los Angeles) por causas naturais à idade de 74.
Além de vários trabalhos para a televisão, o texano tem no seu currículo quase uma vintena de títulos enquadrados nos géneros fantástico e de horror, sendo alguns deles altamente influentes no terror contemporâneo. Esta influência é bem visível nos trabalhos de Rob Zombie (House of 1000 Corpses, The Devil’s Rejects), Wes Cravem (The Hills Have Eyes) ou Alexandre Aja (o remake de The Hills Have Eyes). A impressão do seu filme Poltergeist (1982), um clássico no sub-género das casas encantadas, é perceptível em James Wan (a série Insidious, The Conjuring ou Lights Out).
Em Poltergeist, como em The Amityville Horror (dirigida por Stuart Rosemberg em 1979), conflui a ansiedade das camadas médias da sociedade norte-americana pela questão da habitação, no contexto da crise do petróleo da década de 1970. Nele os espíritos duma casa começam a atormentar a família Freeling, e mesmo chegam a abduzir a pequena Carol Anne (Heather O’Rourke). Aqui começa uma particular batalha sobrenatural da família para resgatar à miúda que deixou cenas memoráveis (a televisão, o palhaço, a piscina dos cadáveres…). Para além da qualidade do filme, este também adquiriu uma certa fama mítica de maldito, devido à posterior morte de vários membros do elenco (a própria Heather O’Rourke, quem ademais protagonizara duas sequências).
Destacável é também a adaptação para televisão da novela de Stephen King Salem’s Lot (1979). Nela, Ben Mears (David Soul) é um escritor de best-sellers quem, depois de uma longa ausência, retorna à sua vila para escrever um romance sobre a casa Marsten, um prédio local com fama de estar encantado. Toda uma série de estranhas circunstâncias, conduzem-nos para uma história de vampirismo, com homenagens mais ou menos evidentes a produções como o Psycho de Alfred Hitchcock ou o Nosferatu de Murnau. Especialmente apavorante é a cena da janela.
Dentro da obra de Hooper, por vezes irregular, sinto especial carinho pela sua colaboração com John Carpenter na antologia Body Bags (1993); onde dirige a história Eye. Nesta, o jogador de basebol Brent Matthews (Mark Hamill) perde o olho direito num acidente de carro de volta para casa. Temeroso de pôr fim à sua carreira desportiva, aceita um transplante experimental. O problema com o seu novo olho é que contém o espírito do doador: um assassino necrófilo recentemente executado. Também é entranhável The Funhouse (1981), um slasher prototípico onde quatro amigos visam sobreviver num sinistro parque de diversões onde estão encerrados com um maníaco deforme.
Mas, por falar em slasher, um dos principais antecedentes do subgénero e que contém já quase todos os elementos deste é The Texas Chainsaw Massacre (1974). Não é apenas o filme mais destacável do realizador, nem o que deu a conhecer Hooper, como é um dos filmes mais influentes do século passado, especialmente no terror. Inspirado na atitude contra-cultural de The Night of the Living Dead, The Texas Chainsaw Massacre está embebido do descontento pela guerra do Vietname e do fim do utopismo hippie da década de 1960. Nele, um grupo de amigos new age transita por umas desoladas paragens texanas para comprovar o estado do túmulo do avô de Sally Hardesty (Marilyn Burns); depois de informações que assinalavam o cemitério ter sido vandalizado. O entorno económico e socialmente deprimido, a calor asfixiante que se transmite ou a esquisitice da população (os bêbedos no cemitério, o gajo a quem dão boleia, o dono da gasolineira), tudo ajuda na geração dum opressivo clima de desassossego. O grupo visita a antiga casa da família Hardesty, totalmente em ruínas. Pouco a pouco, vão caindo vítimas duma família macabra que mora numa fazenda vizinha.
A família é uma versão sórdida e degenerada da família média tradicional: o pai sustentador, o avô dependente, o filho rebelde… e no papel da mãe, com umas conotações terrivelmente incestuosas, um personagem já icónico do género: o ambíguo Leatherface. Apesar de não ser explícito, o desenvolvimento sugere uma trama de canibalismo que funciona como elemento alegórico do conservadorismo redneck a devorar as expectativas dos sectores abastados norte-americanos e o seu vago progressismo.
Vários elementos encaixam para fazer da assistência a The Texas Chainsaw Massacre uma difícil experiência cinematográfica. Ao emprego de planos detalhe (o rosto e os olhos de Marilyn Burns) ou a atmosfera de sujidade e bochorno, acrescenta-se uma rodagem espartana que concluiu com vários feridos e o elenco a querer linchar o realizador. O resultado foi uma produção excepcionalmente rendível, relativamente ao seu minúsculo orçamento. Em relação às produções independentes, só foi ultrapassado quatro anos mais tarde pelo também clássico Halloween, de John Carpenter.
Com ecos de Ed Gein, apesar de Hooper assegurar que se inspirara numa sinistra história de estudantes de medicina; Leatherface com a sua serra eléctrica virou num dos grandes antagonistas do cinema e principal inspiração não apenas duma multitude de slashers que exploram a divisão geografico-social norte-sul dos EUA; senão também um remake, uma pré-sequência e quatro sequências. Todas a um nível catastroficamente inferior, incluída a realizada por Tobe Hooper, The Texas Chainsaw Massacre II; a qual, adentra-se no terreno da paródia, ao meu juízo, de modo errado.
Neste ano, Alexandre Bustillo e Julien Maury, provenientes do novo extremismo francês, têm a oportunidade de dignificar um pouco à saga com uma nova pré-sequência no que seria uma linda homenagem póstuma ao seu criador. Infelizmente, só dá para sermos cépticos uma vez que sabemos como acostumam a ser estes experimentos.