Sem piedade

Como se acostuma a dizer: «You fucked with the wrong girl».

Pode-se assistir finalmente a um filme bastante aguardado desde Sitges 2017. Trata-se da longa-metragem de debute da realizadora francesa Coralie Fargeat quem aliás, é responsável pelo guião.
Revenge foi uma das fitas mais destacadas em galardões do passado Festival de Cinema Fantástico da Catalunha, junto com a norueguesa Thelma e a (segundo o nosso critério) imerecida grande vencedora, a húngara Jupiter Holdja. Os dois prémios conseguidos recaíram na própria Fargeat, por melhor direcção e melhor direcção novel. Não se pode dizer aqui que houve injustiça.

Direcção e montagem resgatam Revenge de ser “mais uma”.

Revenge pertence a esse subgénero conhecido, e permita-se a reiteração, por rape & revenge. As características são precisamente essas: uma jovem é estuprada, recupera-se da experiência traumática e empreende uma cruel vingança contra os seus depredadores. Desde o início, com títulos como I Spit on your Grave ou The Last House on the Left; este tipo de produções estiveram envolvidas em polémica pelo sub-texto que nelas se insinua, para além da sua geralmente baixa qualidade artística. Parte do feminismo acha que a exploração da violência sexual contra as mulheres mal dissimula uma ideologia misógina. Outra parte centra-se no empoderamento final da protagonista a tomar a justiça nas suas próprias mãos contra o mundo masculino circundante. De optar por uma, a prudência convida a julgar cada filme de modo particular e a evitar uma condena genérica. Neste caso, a violência sexual em Revenge é tratada de forma oblíqua e sugerida, a poupar o tradicional sensacionalismo deste género, e que é explícito noutras produções do chamado novo extremismo francês, como Baise-moi ou Irréversible. E antes que misoginia, adverte-se todo o contrário: os homens são, em termos gerais, gente ruim.

Isto não pode acabar bem.

De facto, há que reconhecer a originalidade e o gosto de Revenge no aspecto duma direcção e montagens criativas, uma paleta cromática de tons saturados e o emprego, por vezes abuso, de imagens evocativas: as formigas, a fruta, o sangue, próprio deserto… Se é abuso, também não atrapalha.

Exemplo de imagem evocativa.

A história é simples: três homens acodem anualmente a um condomínio situado num deserto (do género Arizona ou New México) para desfrutar da caça. Um deles, Richard (Kevin Janssens), leva consigo a sua amante Jen (Matilda Anna Ingrid Lutz) uns dias antes para curtirem tranquilamente. Não era suposto, mas os outros dois caçadores chegam também com antecedência e coincidem com a parelha. Numa ausência de Richard, um dos caçadores (Vincent Colombe) estupra Jen. As coisas complicam-se bastante quando Richard se põe do lado do seu colega e não da sua amante. Esta acaba sendo a presa duma caça cruel pelo deserto com intenção de silencia-la. Após um grave incidente, o grupo de homens dão por morta a moça. Erro.
A transformação do filme no segundo acto corre paralela à da própria protagonista quem, sob um manto de superficialidade e do seu carácter insubstancial, ocultava umas habilidades e uma resistência apenas partilhadas com Rambo. De acordo: este curte leva a uma série de acontecimentos que só podem ser classificados como disparates. Mas se concordarmos suspender a incredulidade apesar de tudo, desfrutaremos dumas sequências de acção trepidantes que galanteiam com o melhor cinema de exploração e que remetem a títulos como Thriller. Ao fim e ao cabo, trata-se duma gaja em biquíni, com uma grande espingarda e uma “tatuagem” esquisita no ventre; a procurar sem piedade os seus mal-feitores.

Agora é que estão tramados…

A ginja no bolo é uma luta final intensa que mantém o espectador agarrado no assento e que está planificada dum modo magistral. Proposta interessante onde se pode aplaudir também a interpretação principal e a sua competência para mudar radicalmente de registo.

  • A favor: O aspecto visual e a luta final.
  • Em contra: O episódio da transformação de Jen em killer é abrupto e pouco plausível.

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