Demasiada homenagem

Quem teve a oportunidade de assistir The Void nalgum dos festivais onde se exibiu o filme durante o ano passado, certamente pôde apreciar o carácter de aposta pessoal que possui. Em Sitges compareceram vários membros da equipa, incluídos os diretores Steven Kostanski e Jeremy Gillespie. Uma equipa jovem que defendeu com humildade um projeto que vinha precedido de certo ar indie, de superação de limites orçamentários. A produção chegou a recorrer a uma campanha de micro-financiamento. Assim não é difícil ficar predisposto a uma valorização positiva que, pelas virtudes que tem o filme, merece em parte.

Se as limitações orçamentárias existiram, uma das virtudes de The Void é certamente dissimulá-las. As atuações são bastante dignas por parte dum elenco que tampouco é amador (a destacar a parelha protagonista, Aaron Poole e Kathleen Munroe; ou o veterano Kenneth Welsh). A atmosfera é obscura, envolvente e dirige-nos diretamente às produções da década de 1980.

Em The Void, o oficial da polícia Daniel Carter encontra durante uma patrulha noturna um desconhecido espancado e quase inconsciente (Evan Stern), quem tinha escapado dum massacre numa fazenda próxima. Carter traslada o ferido ao hospital onde trabalha a sua ex-mulher, Alison Fraser. Não demoram em produzir-se acontecimentos esquisitos: os perseguidores do ferido em custódia entram no recinto que é, ao mesmo tempo, rodeado por um estranho culto. Por se não for suficiente, umas criaturas grotescas começam a tomar posse do pessoal.

Outro dos méritos é, de fato, os monstros. Ou mais extensamente, os efeitos especiais; os quais ora por decisão artística, ora por falta de guito, são bastante artesanais. Em The Void optam por prescindir em grande medida dos odiosos e chatos efeitos digitais; o qual, consegue transmitir uma agradável sensação de materialidade que potencia o gore. Um gore que salpica não poucos momentos da metragem. Estes instantes de deglutição/posse dos pessoal hospitalário por parte das criaturas, devidamente destacados no trailer, fez com que muitos vincularam este filme com o The Thing de John Carpenter. E de modo claro, esse parecido é evidente.

Contudo, há um grande “porém”. O conceito de The Thing era atrativo pela sua simplicidade. The Void é uma macedónia de homenagens que complica o assunto. Para além de The Thing; na mesma, guarda parecidos com as também carpenterianas The Prince of Darkness (pela situação e assédio externo) e In the Mouth of Madness (pelo carácter surrealista e “cósmico” que acaba adquirindo o argumento). A encarnação final dos possuídos/devorados é bastante parecida à mosca de Cronenberg (e existe esse elemento de transformação e terror corporal). É explicitamente homenageado Night of the Linving Dead, e até num momento os nossos heróis devem confrontar uma legião de zumbis. O comportamento destes aproxima-os aos cenobitas de Clive Barker, referência redondeada pela transformação do Doutor Powell, não por acaso parecido com o Pinhead de Hellraiser. No final, o argumento deriva a uma espécie de mistura entre From Beyond de Gordon e L’Aldilà de Fulci. Deste último há cenas diretamente copiadas.

O problema? Demasiadas peças de origem díspar que juntas mal podem compor um relato coerente. A eventual caça de incoerências é mesmo difícil porque o filme colhe um ritmo demasiado intenso: acontecem demasiadas coisas em demasiado pouco tempo. Esta rajada de incidentes acaba por confundir a plateia com um relato barroco e alienante. Quem padece são os personagens, que aparecem mal-perfilados, com pouca profundidade. Quando a premissa nos prometia algo mais, eles apenas saem para transitar por esse universo dantesco; por outro lado, bem construído.

  • O melhor: a atmosfera, os efeitos especiais e a satisfação de certa nostalgia.
  • O pior: um argumento excessivamente denso, incoerente e atrapalhado por um ritmo frenético.

One thought on “Demasiada homenagem

  1. Unha vez vista, concordo contodo. Porén teño que o pouso deixado co paso dos días ten regusto agradable.
    É certo que durante o filme, fun deixando de prestar atención á medida que os desvaríos argumentais nos ían conducindo ao final. Pero a atmósfera e o acerto en cómo contar unha historia durante a primeira metade da película atrapáronme seus bons 45 minutos.
    E o regusto nostálxico tamén foi de agradecer. Maltratados como estamos por norma xeral…
    Non pasará á historia, pero vale para pasar unha tarde sen nada mellor que facer.

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