É por ali que pode ir-se essa fantasia adoravelmente idiota de Guillermo del Toro.
E sim, este híbrido de Amelie e Beauty and the Beast tem o Leão de Ouro, dois Golden Globes, prémios da crítica e uma extensa série de indicações, incluídas 13 para os Óscar. E quê? Vivemos num planeta corrupto e facilmente impressionável. Como não deixar-se envolver por esse desenho de produção narcotizante, por esse realismo mágico infantil, por essa fábula bobona e falsamente progressista onde trunfa o amor por cima de todas as ruindades do mundo? The Shape of Water pede a gritos o aplauso. E a gente aplaude.
Mas tem numerosos problemas que convergem todos numa grande causa: o guião. Se é possível apaixonar-se pela Fera, por Edward Scissorhands ou por King Kong é porque são previamente humanizados, reconhecemos neles traços inequivocamente próprios; o que nunca acontece com esse girino antropóide do Black Lagoon.
Mal podia acontecer, por outro lado, quando nem os personagens humanos aparecem dotados dessa profundidade psicológica: a protagonista, a amiga afro-americana, o amigo artista gay, o malvado senhor da CIA, os maquiavélicos espias russos… Todos sem excepção são estereótipos.
A linha argumental também não se toma demasiadas moléstias em ser coerente ou minimamente lógica. A história de amor não existe. Apaixonam-se e pronto. E apaixonam-se no cenário dum laboratório de máxima segurança, claro. As cenas de paixão entre ambos, parecem escritas por um adolescente pouco avantajado. Nunca fica esclarecido porque tanto americanos como russos querem sacrificar o bicho, nem porque este reveste tanta importância no contexto da guerra fria. A moral mais estúpida impõe-se: os poderosos são ruins, tanto faz se são capitalistas como comunistas. Nem falamos dum final trapaceiro que só não é previsível porque parece absurdo desde que se intui.
É assim que este macaco irá à gala de Hollywood com as suas melhores sedas. Mas freio de ouro, não melhora o cavalo. Ou o lagarto.
- A favor: Sally Hawkins.
- Em contra: O guião.