A sombra de Romero é alongada. Nesta ocasião não se trata de mortos-vivos. The Transfiguration, primeira longa-metragem de Michael O’Shea, inspira-se na versão prosaica do vampirismo mostrada em Martin (1977) e alarga o universo da sua curta Milo (2014).
Nesta releitura da figura do vampiro, este não passa de ser um sociopata, um serial killer bebedor de sangue. Nem alhos, nem cruzes, nem sol. O vampiro não deixa de ser um mortal vulgar. E Milo (Eric Ruffin) nem é pálido: é um menino afro-americano órfão, criado pelo seu irmão Lewis (Aaron Moten) num bairro problemático. Milo sofre bullying e é sistematicamente intimidado por uma banda local de criminosos. Alienado pelo entorno e a sofrer ainda a perda da mãe, refugia-se em filmes de vampiros e em documentários sobre violência animal. Periodicamente, comete assassínios para ingerir sangue humano.
Esta rotina é alterada quando aparece Sophie, uma gaja maltratada pela vida interpretada com frescura por uma encantadora Chloe Levine. Como inadaptada, simpatiza rapidamente com Milo, com quem inicia uma linda relação de amizade.
As reminiscências de Låt den rätte komma in (2008) ou o seu remake norte-americano Let me in (2010) não são apenas claras; como são explícitas num guião onde se mencionam outros títulos, como o já referido Martin, Nosferatu, Near Dark ou, em chave crítica, Twilight e True Blood. Não estou certo que isto seja o mais brilhante de The Transfiguration. Tampouco é o seu único problema. Alguma das suas situações são pouco verosimilhantes e a história não parece ter demasiado claro aonde vai. Por outro lado, trata-se de uma história tenra, um drama de transição à vida adulta sobre o amor ou o luto que mal pode ser considerado como terror. Na medida em que se desvia dos tópicos do sub-género de vampiros, tem um ritmo lento e vem da secção Un Certain Regard de Cannes; o novo snobismo enquadrará o filme nisso que chamam pós-terror. Mas é uma simples produção fria, tranquila e entretida.
- O melhor: Chloe Levine.
- O pior: O terceiro acto.