Os galegos dão muito medo

Fujam já.

Devido a problemas que arrastamos historicamente desde há demasiado tempo, a Galiza sempre teve um grande potencial para sinistros relatos de crimes rurais. Infelizmente, acostuma a faltar capital e iniciativa para estas histórias chegarem à tela.
Santoalla (2016) é uma produção norte-americana de género documentário que nos introduz num luctuoso incidente numa pequena freguesia homónima. Com motivo da publicação da sentença do caso, a Televisão da Galiza (TVG) exibiu o filme há três dias; acontecimento que de modo provável passou inadvertido porque décadas de hegemonia conservadora viraram esta emissora pública num divertimento minoritário para idosos, ultracrepidários e fascistas. Uma lástima. O filme merece o visionado tanto pela sua qualidade, como porque reflecte desde uma visão forânea os complicados códigos culturais duma Galiza rural esmorecente.

A freguesia de Santoalha não está na sua melhor altura.

A grande protagonista de Santoalla é Margo Verfondern, mulher forte e decidida, quem opta por resistir na freguesia mesmo quando alberga suspeitas justificadas sobre o envolvimento dos seus vizinhos na desaparição do seu marido Martin Verfondern. Quando jovens, este casal idealista decidiu abandonar a sua Holanda natal e iniciar a pesquisa dum novo lugar onde estabelecer-se e cumprir os seus sonhos, a implicarem estes uma vida em contacto com a natureza. O acaso leva-os à pequena Santoalha, onde apenas mora a família Rodríguez, de quatro membros: Manolo, patriarca mentalmente ausente, o filho camponês Julio e o deficiente Carlos. Menção aparte merece Jovita, evidente matriarca, personagem moralmente complexo e ambíguo; quem alterna juízos positivos sobre os recém-chegados com recriminações veladas sobre a inadaptação destes. O contacto inicial é, em aparência, amistoso.

Não dá a sensação duma amizade duradoira…

Andrew Becker e Daniel Mehrer, realizadores do documentário, evitam o típico sensacionalismo das histórias sobre crimes reais do género Forensic Files, para adoptarem uma aproximação mais serena e dramática. O seu material são as declarações à câmara de Margo e dos Rodríguez, imagens de arquivo da televisão e as próprias gravações de Martin, uma vez que se decide a registar as pequenas sabotagens dos vizinhos na sua leira. Resulta sinistro comprovar como, apesar do trato amável que se dispensavam no início, as imagens da TVG mostram um implícito e gigante muro de desconfiança entre Martin e Julio. Inconscientemente, sabemos que aquilo não pode acabar bem.
E não acaba. A intenção de “explorar o potencial” da freguesia por parte dos Verfondern choca com a intenção dos nativos em preservar tudo tal e como está: em ruínas. Aos poucos, assistimos à desesperação de Martin e ao enrarecemento da relações vizinhais. O clímax chega na pretensão do casal holandês de participar no lucro da exploração florestal do monte, como lhes corresponderia em qualidade de residentes agrários. De modo previsível, os Rodríguez negam-se, e mostram como para além da pretensa saudade dos velhos tempos nos que a freguesia era habitada, a sua motivação é um lucro familiar que se sustenta na própria destruição do seu mundo.

Margo, a verdadeira heroína do assunto.

Temos a sensação de que a história dava para desenvolver mais determinados aspectos como este. No seu lugar, os realizadores optam por uma estratégia mais contemplativa e centrada no drama emocional de Margo. Porque dois messes depois de que os tribunais emitissem uma sentença favorável aos Verfondern sobre o lucro da exploração florestal, Martin some. A sua mulher chega ao convencimento de que foi um crime é que convive na freguesia com os responsáveis. E as enigmáticas afirmações de Jovita apresentam evidências de que a suspeita é fundamentada.

Jovita, the great galician antagonist character ever.

Em definitiva, Santoalla é um documentário decente que desenha um interessante thriller a decorrer por paisagens tristemente familiares.

  • A favor: Jovita.
  • Em contra: Há alguns pequenos detalhes que ficam sem desenvolver.

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