O estilo e a substância

Não tínhamos o prazer de conhecer Anna Biller, mas parece que a sua trajectória é caracterizada por uma particular volta às origens. Às origens de certa produção cinematográfica contemporânea, no mínimo. De modo específico, os filmes de exploração ou sexploitation que se projectavam aos montes nos drive-in. Mas este resgate das produções de série B não é uma simples celebração nostálgica à maneira tarantiniana. O de Anna Biller é um exercício disso que na neo-língua se denomina détournement. A eleição duns subgéneros marcadamente misóginos ou tradicionalmente ao serviço de determinadas fantasias patriarcais, deve-se à vontade da realizadora de articular um discurso de género com esse material, de pô-los ao serviço da reflexão feminista. É apanhar algo para vira-lo contra o que foi concebido, talvez de modo inconsciente.

Em The Love Witch, Elaine (Samantha Robinson) é uma bruxa que se traslada a uma mansão vitoriana depois da morte do seu amante. Determinada a encontrar o amor, emprega as suas magias para fazer que os homens se apaixonem dela. Mas com isto, leva-os irremediavelmente ao desastre.
Talvez o aspeto negativo desta contestação do arquétipo da
 femme fatale é que o filme não parece constituir um suporte adequado para a transmissão da tal mensagem feminista. Sim, o emprego do monólogo interior corporiza Elaine. Não é uma simples antagonista. Também não é um mero objecto sexual destinado ao olhar masculino. No mínimo, inspira uma identificação bivalente: entendemos as suas motivações e afastamo-nos dos seus actos. E nenhum problema com isso!
Poderia suster-se que o problema reside numa trama irregular e desconexa, que nos aproxima mais dos filmes dos que bebe, que da própria mensagem intencional da realizadora. A sua duração desnecessária não ajuda. O conjunto transmite uma certa sensação de frialdade e distanciamento. A realizadora é plenamente consciente e até chegou a defender que emprega o «estilo como substância». Porém achamos que o primeiro devora todo o resto.

Não obstante, nem tudo é mau nesta proposta. The Love Witch é um produto desfrutável. Muito, se partirem dalgum conhecimento ou interesse pelas suas referências cinematográficas. Não recria uma época, antes recria à perfeição o estilo duma época. Por vezes, temos a sensação de estar face um produto genuíno das décadas nas que vasculha. As interpretações consideradas ruins, devem ver-se na luz das interpretações que pretendem simular; e neste aspecto são grandes. A opção pelo technicolor e a estética kitch é absolutamente fantástica. Samantha Robinson, salvando as grandíssimas diferenças, remete-nos à estupenda Edwige Fenech. De facto, ela e o resultado de certo trabalho de câmara e edição, parecem tirados de títulos memoráveis como Perché quelle strane gocce di sangue sul corpo di Jennifer?Lo strano vizio della Signora Wardh ou Tutti i colori del buio. Quem valoriza estas coisas, agradece.
Portanto, chateará quem procurar uma história, deixará indiferente quem quiser uma mensagem e gostarão aqueles que se contentem com uma comédia erótica de ar 
vintage.

 

  • O melhor: imita muito bem o estilo dos filmes da década de 1960 e inícios de 1970.
  • O pior: é desnecessariamente longo e a trama é por vezes errática e incoerente.

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