No início de Diamantino assistimos à clássica advertência de que se trata duma obra de ficção, e que os parecidos com personagens reais são puro acaso. Mas é que estes parecidos são tão notáveis, que é difícil não ler o filme como uma sátira de determinada figura pública de Portugal.
Ao fim e ao cabo, o protagonista e narrador Diamantino Matamouros (Carloto Cotta) exibe um forte sotaque insular, é um excelente jogador de futebol, peça chave na selecção portuguesa, é omnipresente em anúncios de cuecas e não parece demasiado inteligente. Não faz lembrar alguém?
Seja como for, Diamantino supre a carência de habilidades intelectuais com um grande coração. Por isso, quando assiste desde o seu iate o drama dos refugiados é incapaz de submergir-se numa fantasia de cachorros gigantes que lhe permita destacar no relvado. Atingido por uma crise de jogo e a sofrer o recente falecimento do seu pai, o astro da bola decide adoptar um refugiado (um fugidinho!). O problema é que acaba por adoptar uma espiã (Cleo Tavares) que se infiltra na sua casa para pesquisar uma presumível evasão fiscal.
Ainda a narração tem espaço para um bizarro experimento genético ligado a um projecto de extrema-direita, nesta história fantástica que remete a certo tipo de comédia lusa de autor como os últimos trabalhos de Miguel Gomes, e que alterna momentos altamente cómicos com outros dum nível humorístico mais baixo. O primeiro terço do filme é com certeza o melhor, a destacar a temporã aparição dos cachorros e o anúncio da retirada do desporto durante uma entrevista televisiva. Também concentram boa parte da hilaridade as irmãs, encarnadas por Anabela e Margarida Moreira, cujo interesse pelo Diamantino reduz-se à obtenção de lucro.
Na parte fraca da metragem encontramos uma alegoria política que, se por um lado é pertinente, pelo outro não é demasiado afortunada. Ficam também sem desenvolver alguns elementos do guião, como o da transformação física do protagonista, a importância da qual na trama nunca é devidamente justificada.
Em definitiva, uma obra com luzes e sombras da que se podem resgatar determinadas cenas que fazem rolar pelo chão.
- A favor: Os primeiros minutos.
- Em contra: uma sátira política não demasiado brilhante.