Hoje estreia-se no Estado Espanhol o filme Grave ou Raw, como é conhecido internacionalmente; Portugal terá de aguardar até Maio. Vem precedido dumas críticas excelentes e de não poucos prémios; entre eles, três no festival de Sitges (melhor diretora novel para Julia Ducournau, melhor filme europeu e prémio do júri jovem). Também era candidato a melhor filme, prémio que caiu incompreensivelmente em Swiss Army Man.
Também chega com o rumor de que as suas projeções provocaram enjoos e até algum desfalecimento. Não vejo o motivo. Tem algum momento sangrento, mas nada não visto mil vezes antes em outros filmes. De facto, não estou certo de que essa estratégia de marketing ajude em nada à promoção de Raw, que aparece no trailer como uma transgressiva produção gore. Na verdade, Raw é quase um drama de formação, fora o detalhe do canibalismo.Justine (Garance Marillier) é uma jovem caloira, procedente duma família vegetariana. Os pais são veterinários e a irmã mais velha está cursando estudos na matéria. Justine, inteligente e introvertida, continua também a tradição familiar e instala-se na residência universitária. Não demorará a enfrentar a indiferença da sua desordenada irmã e a cruel praxe dos veteranos. Numa dessas brincadeiras humilhantes, Justine acaba por provar a carne. Após uma reação inicial de rechaço, a jovem começa a experimentar um crescente apetite lascivo e guloso.Garance Marillier encarna de modo bastante convincente a transformação da protagonista, num elenco no que também destaca o veterano ator francês Laurent Lucas. Raw é uma interessante alegoria da transição à vida adulta, o descobrimento sexual e a pressão sócio-cultural sobre o corpo feminino. O elemento carnal do argumento tem uma conotação claramente luxuriosa e está tratado com uma sensibilidade especial que remete a outras produções como Dans Ma Peau de Marina de Van. Ao igual que esta última, Raw trata um assunto tão desagradável como o canibalismo, com uma sensualidade desmedida. Especialmente brilhante é a cena do acidente da irmã mais velha (encarnada por Ella Rumpf), duma intensa beleza e ao mesmo tempo repugnância. A história é acompanhada por uma posta em cena ocasionalmente marcada por uma iluminação não-diegética.
Apesar de que as suas qualidades têm sido sobre-dimensionadas pela crítica, há pouco a censurar em Raw. Se calhar há algum momento no que se recria desnecessariamente em si próprio; talvez após um par de viragens argumentais, o filme decorre exatamente pelo caminho que intuímos. Não obstante, Raw é uma proposta interessante duma debutante a que haverá que seguir com atenção no futuro.
- O melhor: a cena do auto-descobrimento de Justine.
- O pior: pouco. Desde certa altura, a história vira um bocado previsível.