O filme que motivou a entrada passada sobre filmes com subtexto político não figurou finalmente nela por um absurdo despiste. E merecia aparecer tanto pelo tema como pela qualidade do mesmo.
Trata-se do slasher canadense My Bloody Valentine (1981), filme subvalorizado e absolutamente fantástico; um dos melhores do seu subgénero. Se me viu à memória foi pela aparição do seu realizador George Mihalka, como um dos entrevistados no interessante documentário Tax Shelter Terrors (2017). Este documentário trata sobre os efeitos que teve uma política de incentivos fiscais no investimento em produção cinematográfica durante os anos de 1970 em Canadá. O resultado não foi o esperado pelos legisladores: eles queriam uma produção nacional sólida e séria, mas deu numa cinematografia pátria certamente prolífica mas sensacionalista.
Slashers, filmes de terror ou de erotismo suave acabaram classificadas na etiqueta de canuxploitation da qual surgiram, em todo caso, nomes do peso de David Cronemberg, Ivan Reitman ou Bob Clark. Resulta interessante o subtil diálogo que estes autores empreenderam com a sua época, estando muitos destes filmes informados pela situação de conflito nacional do Quebeque, pelas acções do FLQ ou pela chamada crise de Outubro, a maior violação dos direitos civis em Canadá desde a segunda Guerra Mundial. Há filmes que tratam especificamente estes problemas e que são muito interessantes, desde uma perspectiva artística e socio-histórica: Les Ordres (1974), Octobre (1994) ou Black October (2000).
No caso que nos ocupa, George Mihalka apresenta-se-nos como um jovem realizador na altura interessado pelo formato de documentário e o cinema político, apesar de que antes de My Bloody Valentine, em sites especializados apenas figura a comédia picante Pinball Summer (1980). Só um ano mais tarde, assume a direcção do slasher pelo qual seria conhecido, provavelmente a aproveitar as oportunidades que se dão naquele contexto. A história é simples: na mina n¡duma pequena vila, há um infeliz acidente que acaba com a vida dos operários. O único supervivente assassina os responsáveis da segurança por descuido das suas funções, já que estavam a celebrar o dia dos namorados. Desde então, não se celebra a data. Até que 20 anos depois, um grupo de adolescentes meio idiotas decidem desafiar a proibição. E claro, um misterioso mineiro volta para matar um-a-um os jovens.
George Mihalka decidiu que a realidade também tinha que aparecer numa fita de terror convencional, e é assim que foi rodar a umas minas reais clausuradas. Tudo deu num óptimo slasher, bastante gore e eficiente que Mihalka define como «a vingança da classe operária sobre as classes acomodadas, quem preferem a frivolidade da sua estúpida festa antes do que a segurança no trabalho». Vão buscar.