A lua de Júpiter

O vencedor de Sitges 2017

Extenuados e contentes, voltamos de Sitges tendo experimentado algumas da novidades dos géneros fantástico e de terror que chegarão (algumas!) às telas das salas de cinema nos próximos meses. A intenção é dar conta aqui dos filmes recomendáveis e de outros que nem tanto. E que melhor que começar com o vencedor do certame?
O anúncio de Jupiter’s Moon como “melhor filme” da secção oficial, provocou divisões nos jornalistas presentes; havendo fortes aplausos, mas também sonoros apupos. Para além desta categoria, o filme do realizador húngaro Kornél Mundruczó venceu na de melhores efeitos especiais; prémio, este sim, nada controverso vista a enorme complexidade da rodagem sem chroma dos “voos” do protagonista.

O aspecto visual é um dos pontos favoráveis.

Em Jupiter’s Moon (ou, em original, Jupiter Holdja) seguimos o jovem migrante sírio Aryan Dashni (Zsombor Jéger) no seu intento de cruzar a fronteira entre Sérvia e Hungria. Esta sequência inicial, quase sem curtes, não é apenas do mais espectacular que se pôde ver na presente edição de Sitges; traslada-nos também ao drama dos refugiados e à vergonhosa política europeia ao respeito. Aryan consegue chegar a território húngaro mas é abatido pelo veterano comissário László (György Cserhalmi), um policial fascista e corrupto. Milagrosamente, Aryan ressuscita com o poder de levitar. Recluso no hospital, é assistido pelo médico (também corrupto) Gabor Stern (Merab Ninidze) quem tem a missão, num informe, de apagar as responsabilidades de László na suposta morte de Aryan. Mas claro, o jovem sírio não está apenas vivo, como faz uma demonstração ao doutor das suas novas capacidades. Chocado, o doutor Stern decide não realizar o informe e “salvar” o migrante com propósitos exploradores. Então László inicia a perseguição de ambos.

Boas interpretações.

Esta frenética primeira metade parece justificar os loureiros do filme e consegue retratar uma Hungria conservadora, xenófoba, corrupta e em franca descomposição. Um país que acolhe com os braços abertos o turista rico, e com disparos o migrante pobre. Para que logo falem do socialismo goulash. Zsombor Jéger está bem, mas a interpretação de Merab Ninidze é soberba como anti-herói, médico afastado da profissão por má-praxe, pobre, ateu, alcoólico e niilista; mas com um resto de valores morais capazes de levá-lo à redenção.

Infelizmente, acaba numa mensagem religiosa demencial.

Infelizmente, a história não é capaz de manter o nível dos primeiros minutos. Os acontecimentos que se sucedem estão debilmente ligados, havendo alguma sequência que desafia abertamente a suspensão da incredulidade. Conforme avançamos cara o final, junto com a acção correspondente à confrontação de perseguidor e perseguidos, emerge um tom místico e transcendente que dota a narração duma mensagem humanista e cristã absolutamente desnecessária. Aryan encarna assim o novo crucificado a trazer a fé a uma Europa descrida e egoísta. Os chamados a “olhar para o céu” coroam a desgraça. A sério, em pleno século XXI e ainda andamos com estes contos de fadas? Se a redenção de Europa passa por ser melhores pessoas e pela fé, estamos fodidos.
O que podia ter sido uma pertinente denúncia da política migratória, fica enlodada pelo confuso componente religioso. Kornél Mundruczó já teve momentos mais felizes, como na menos espectacular e mais eficiente Feher Isten (2014). Nesta ocasião, espatifou contra as suas próprias crenças.

  • A favor: A sequência do cruze da fronteira.
  • Em contra: Mensagem cristã.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*