White man’s world

O género de terror intenta explorar os medos que fazem parte duma cultura específica numa altura determinada. Não nos assustam as mesmas coisas que aos nossos pais ou avôs. Nem que aos nossos irmãos mais novos. Aquilo que angústia, que sugere uma ameaça, desprende-se do momento histórico; e já só isso, vira o terror num género eminentemente social.

Para que lembrar esta questão? A crítica vem louvando o filme de Jordan Peele como uma excepção engenhosa, como uma rara mistura de cinema de terror com mensagem social. E claro, nada há de esquisito nessa mistura. Poderia-se fazer uma enumeração extensa de exemplos que vinculariam Get Out com uma ampla lista de filmes social ou historicamente relevantes. De fato, são muito evidentes os paralelismos com The Stepford Wives, da qual apenas modifica o colectivo subalterno vítima desses odiosos homens brancos. No de Bryan Forbes são as mulheres; no de Jordan Peele, os afro-americanos.

Foram demasiado exagerados, não é que Get Out não tenha méritos. Eu acho que o mais atractivo da mensagem anti-racista e que não se dirige de maneira óbvia a todo esse pessoal white trash meridional, quem vota Trump por sentir-se ameaçado face todas as minorias objecto de atenção do progressismo yankee. O alvo dos seus dardos são os membros de certa burguesia/pequena-burguesia “liberal”, teoricamente bem-disposta com os negros e até votante de Obama.

O filme consegue transmitir o desconforto de Chris Washinton (aceitavelmente interpretado por Daniel Kaaluya) quando se vê rodeado por uns gasparzinhos endinheirados, quem o tratam em base a estereótipos pretensamente positivos.

E essa é basicamente a história: Chris vai visitar os sogros com a sua namorada branca Rose Armitage (Allison Williams). Em aparência, Dean e Missy Armitage (Bradley Whitford e Catherine Keener) parecem esforçar-se pela comodidade do genro. Mas o protagonista vai acumulando toda uma série de experiências sinistras que transformam o clima da narração em algo sufocante: a capacidade hipnótica de Missy, a “culpa” de Dean, a atitude hostil do cunhado, a asfixiante atenção da vizinhança, a incompreensão de Rose… A ginja no bolo é a presença duns poucos personagens afro-americanos subalternos que se comportam de maneira estranha; e é preciso fazer menção expressa de Georgina (Betty Gabriel), quem concentra todo o que tem de terrorífico Get Out.

Também tem momentos bastante hilariantes, responsabilidade do personagem interpretado por LilRel Howery. Nesse sentido, dá a sensação de que o filme funciona melhor como comédia (quando se desliza cara a situações risíveis) que como filme de terror (que nunca chega a atemorizar). Talvez o problema seja (oh, surpresa) a previsibilidade da trama. Seja como for, esta particular mistura de The Stepford Wives e Guess Who’s Coming to Dinner falha principalmente no final. O final óbvio, lógico e necessário; foi desbotado pelo realizador devido a determinadas circunstâncias que se estavam a dar na actualidade dos Estados Unidos e que são infelizmente frequentes. Acho que em todo caso, o desenlace finalmente projectado é um erro que faz cambalear todo o argumento.

Não obstante, Get Out é um filme bastante desfrutável. A mensagem é necessária, a alegoria é muito inteligente e não chateia. Talvez não seja a obra-prima que apresenta a crítica, mas é uma excelente opção na hora escolher um filme destinado ao mero entretenimento.

  • O melhor: É muito entretido e a alegoria sobre os liberais brancos é bastante engenhosa.
  • O pior: Um pouco predizível e um final nada adequado.

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