Todo o mundo sabe que 2020 foi um ano difícil, assim que não adianta insistir naqueles eventos sérios e graves que povoaram os últimos doze messes no calendário: são conhecidos por todos. O nosso tema, o nosso passatempo em Mal de Olho, é o cinema de terror. E tristemente deveremos concluir que não apareceram muitos títulos relevantes que nos distraíssem nem um pouco da complexa situação social e económica derivada da pandemia.
Restrições nos festivais, estreias congeladas ou diretamente adiadas a 2021 contribuíram ao que pôde ter sido um ermo, se não fosse por um grupinho de títulos que encontraram uma situação propícia para adquirir certa notoriedade. E não digo com condescendência, alguns deles fizeram méritos suficientes para figurar em qualquer lista dos melhores filmes do ano.
Na minha, exclui-se aqueles que se estrearam no circuito de festivais em anos anteriores embora a estreia comercial fosse neste (Le Daim, Swallow, Vivarium, La Fiesta Silenciosa…) e inclui algumas produções notáveis que ainda esperam uma data de exibição e que já mencionei no programa.
10.- Underwater
Talvez perca o meu crédito já de início por introduzir o produto de William Eubank no top, mas a realidade é que esta história de supervivência subaquática entretém bastante. E acho que ninguém lhe exigia outra coisa, pelo que não dá para defraudar expetativas. Com uma Kristen Stewart e um Vincent Cassel razoavelmente convincentes, Underwater narra os esforços duma tripulação minguante para escapar duma base submarina que se está a inundar. Para se salvarem, deverão chegar caminhando pelo chão marinho até uma plataforma petrolífera abandonada. Mas é no trajeto que descobrem a verdadeira ameaça que se oculta na obscuridade das profundezas.
9.- The Rental
Não houve consenso no podcast sobre este filme. Contudo, eu sou bastante defensor do debute de Dave Franco, quem conta no elenco com Sheila Vand, a vampira de A Girl Walks Home Alone at Night. O enredo descansa sobre a tensão que gera entre uns poucos personagens: dois colegas que alugam um apartamento para passar um fim-de-semana com as suas respetivas parelhas. O perigo de dissolução do grupo por suspeitas de infidelidade distrai-os da ameaça externa que paira sobre eles.
8.- Rent-a-pal
Mais um debute. Nesta ocasião, o de Jon Stevenson. Na década dos 90, o solteirão David (Brian Landis Folkins), a cargo da sua mãe dependente, não dispõe de tempo para conhecer mulheres. Por isso acode sem demasiado êxito a um serviço de encontros. Ali descobre um VHS misterioso desde onde um charmoso personagem chamado Andy (Wil Wheaton) promete amizade. A relação entre ambos torna-se aos poucos mais obscura até culminar num final algo atrapalhado, mas ao qual nos dirigimos sem mexer-nos do assento.
7.- Run
Mais interpretações destacadas: neste caso, as de Sarah Paulson e Kiera Allen, a interpretar uma sinistra relação materno-filial. Nela Chloe, uma moça inteligente mas afligida por numerosos problemas físicos derivados dum parto prematuro, começa a suspeitar do comportamento esquisito da sua mãe, de quem depende para valer-se no quotidiano. Run não destaca por ser imprevisível, mas brinca com o suspense de forma hábil e aditiva.
6.- Come True
Saímos da sala, em Sitges, com uma grande confusão logo de assistir esta produção dirigida por Anthony Scott Burns e apadrinhada por Vicenzo Natali. O filme explica como a jovem Sarah, adolescente rebelde e com problemas de insónia, oferece-se voluntária para uma pesquisa universitária sobre o sono. O objeto da pesquisa está pouco claro e os pesadelos da protagonista agravam-se. Com um final muito discutível, o que salva Come True é a interpretação feminina, o tom e a escolha estética retro, que o converte num produto envolvente e interessante.
5.- Host
Esta média-metragem virtual horror foi um dos filmes destacados do especial sobre Sitges com o que abrimos a segunda temporada, e coletou umas críticas laudatórias quase unánimes. As reticências que poderia acordar o seu oportunismo diminuem rapidamente com o emprego eficiente do seu escasso orçamento. Estamos em pleno confinamento pelo COVID, e um grupo de amigas reúnem-se mediante o Zoom para fazer uma sessão de espiritismo. As coisas saem mal, claro.
4.- Possessor
Vencedor em Sitges, Brandon Cronenberg está destinado a carregar com o peso das comparações com o pai. No seu segundo título, parece contar com o favor da crítica, mas não duma plateia aferrada à lembrança do primeiro David Cronenberg. Mesmo suscitou debate no podcast. A minha posição sobre este thriller de sci-fi e de grande complexidade argumentativa, contém elementos suficientes para ser respeitado. A destacar a confusão identitária, o terror corporal e o aspeto visual da fita.
3.- Historia de lo oculto
Desde Argentina chega uma das propostas mais originais do ano acabado recentemente. Uma curiosa mistura de thriller político a preto e branco e enredo de satanismo, onde a equipa de produção do programa televisivo “60 minutos para la medianoche” tem exatamente uma hora para conseguir que um convidado, Adrián Marcato, desvele uma intriga de bruxaria que implica ao presidente da república e as elites do país. O baixo orçamento só faz o assunto mais meritório.
2.- La Desvida
A grande surpresa (sob o meu critério) do passado Festival de Molins, começa com um intenso drama emocional por volta dum casal de escritores destruído pela recente morte do filho. Na visita à casa familiar para repartir os pertences antes da inevitável separação, encontram uma mensagem da criança defunta onde os convida a participar num jogo de dicas. Com elenco e orçamento reduzido, atreve-se formalmente com longos planos sequência e elegantes transições temporais sem corte que nos passeiam pela casa e pelo deterioro duma relação. Como ginja no bolo, aguardam-nos duas viragens que conseguem surpreender.
1.- My Heart Can’t Beat Unless You Tell it to
A minha preferida do passado ano não é qualquer segredo. Na Season Premiere defendi com paixão esta longa-metragem modesta, debute do seu realizador, Jonathan Cuartas. O filme conta a história de três irmãos, onde os dois mais velhos cuidam de Thomas, o pequeno, afetado por uma estranha doença que lhe impede sair da casa durante o dia e que o força a alimentar-se de sangue humano. Enquanto Thomas sente uma amarga solidão Dwight, o mais velho e encarregado de conseguir o sangue, sente desejos de fugir. Jesse, a outra irmã, fará o possível por manter unida a família. Estamos face uma obra austera e comovente onde o vampirismo aparece carente das imagens mais elegantes a ele associadas, para constituir uma espécie de alegoria da dependência física. Pérola.