O zumbi que humaniza

Sou da opinião que um filme pode ser terrorífico ou cómico, mas não ambos. O humor implica um afastamento, uma distensão incompatível com a implicação emocional e a tensão que procura o terror. Mesmo quando um filme genuinamente terrorífico emprega situações cómicas, dosifica-as tacticamente para relaxar a plateia, baixar as suas defesas e preparar o próximo golpe.
Dependerá de cara aonde se deslizar a narração que uma produção poderá ser adscrita a um género ou outro. Na temática zumbi, onde tudo já foi explorado, é fácil cair do lado da comédia uma vez que a saturação dos sub-géneros leva frequentemente à paródia. O problema de It Stains the Sand Red é que não chega nunca a ser suficientemente cómica ou terrorífica. Fica em terra de ninguém sem dar passos firmes cara algum lugar fora da categoria de “passável”.

Começam como estereótipos, mas ela redime-se.

“Passável” não é ruim. De facto tem uma premissa e uma sinopse que poderiam dar numa genialidade, e imagino que isso foi valorizado na concessão do prémio ao melhor filme na secção Midnight X-Treme em Sitges 2016. Colin Minihan segue os mandamentos de São Romero sobre o universo dos mortos-vivos: os zumbis são lentos, idiotas e mal-cheirosos. Seja como for, são tantos como para provocar um colapso social e a fugida em carro pelo deserto de Nevada da striper Molly (Brittany Allen) com o seu namorado gangsta Nick (Merwin Mondesir). Esta disfuncional parelha vai cara um aeroporto onde combinaram um voo de salvação. Inoportunamente têm um incidente com a sua viatura e um solitário zumbi vai ter com eles.

Este é o homem mais decente que Molly já encontrou. Assim é que estão as coisas.

Estes primeiros minutos dão para pensar: «um outro filme de zumbis». Os personagens são estereotipados e acordam pouca empatia; útil no caso de Nick, quem não tem demasiados minutos na tela. A verdadeira protagonista é Molly e o seu perseguidor zumbi, baptizado por ela como Smalls (por “small dick”… comédia). Smalls compensa a sua lentidão com a constância de quem não está vivo. Molly é mais veloz, mas… claro, está viva e precisa descansar, comer, adormecer. Este segundo acto concentra todo o que tem de bom o filme. Esta perseguição pelo deserto em alças faz com que Molly adquira uns matizes dos que parecia carecer. É uma mulher maltratada pelo mundo masculino e o único homem no que pode confiar-se, persegue-a a poucos metros com intenções culinárias. Como todos os homens, por outro lado. E é que no evangelho segundo Romero está estabelecido que falar de zumbis é no fundo uma escusa para falar da sociedade dos vivos. E na humanização do morto-vivo recolhe ideias semeadas em Dawn of the Dead e, de modo destacado, Day of the Dead.

A cena do “tampão absorvente”. Desde aqui, a confrontação com Smalls dota Molly de maior profundidade.

Mas como disse, esta linda história de improvável amizade e subtil crítica ao mundo patriarcal vê-se enturvada por algo impreciso. Talvez o guião errático e as modestas interpretações (salvando a protagonista). Demasiadas boas ideias mal dispostas.

  • O melhor: Brittany Allen e certa sensação de que há boas ideias por trás da história.
  • O pior: A sensação de que essas ideias podiam dar em algo melhor.

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