É possível que a gente espere ver em Midsommar, o segundo filme de Ari Aster, um novo Hereditary. Embora confirme certos traços estilísticos e discorra por dentro do enredo de terror um intenso drama emocional, devemos concluir que felizmente não é assim. Aqui já se formularam algumas objecções ao debute do passado ano.
Como no filme precedente, Midsommar arranca com uma grande pancada emocional. Neste caso, Dani Ardor (Florence Pugh), estudante norte-americana, enfrenta-se a uma cruel tragédia rodada com planos que reforçam o dramático e o sinistro: a perda da sua família. Dani fica assim entregue à depressão e a Christian (Jack Reynor), um namorado narcisista e com uma séria imaturidade emotiva. Este planifica uma viagem com os amigos a uma celebração pagã na comuna de Hårga, na região sueca de Hälsingland, a misturar motivações científicas (são antropólogos) e lúdicas (são homens jovens heterossexuais). Uma viagem à que naturalmente não foi convidada a protagonista quem, graças à intervenção do oriundo da comuna Pelle (Vilhelm Blomgren), acabará por juntar-se na mesma.
Hårga é o que se pode esperar neste caso: um quadro natural idílico e luminoso em forte contraste com a sombria paisagem urbana de procedência do elenco protagonista. A população alvinitente exibe uma gentileza histriônica e uma complexa mitologia panteísta. É um filme de terror, portanto as coisas não podem ser assim de simples. Os moradores não demoram em mostrar os aspectos mais controvertidos do seu culto, entre os que se acha a existência duma agenda oculta para os visitantes.
A viagem e o contraste cultural constituem a oportunidade dum novo começo, duma renovação, como no homónimo dinamarquês Midsommer (2003), onde o protagonista deve superar a morte da irmã e onde, apesar de partilhar nome e localização, este conflito se dá no subgénero sobrenatural. Ou no britânico The Ritual, onde a luta contra um monstro, também no interior da Suécia, mascara a luta contra a culpabilidade pelo falecimento dum amigo. Em Dani, é a chance para superação do dó e a reparação da relação assimétrica com Christian. Mas com frequência, o deslocamento geográfico remete a esse conjunto de filmes de terror que exploram as ansiedades relativas à percepção do ressentimento internacional cara os Estados Unidos. Em todo caso, a comparação entre a nação de partida e a de destino, desfavorável para este último, reforça ideologicamente o status quo. Este tom é detectável em produções posteriores ao 11-S como Primeval, Borderland, Turistas ou as fantasias xenófobas de Eli Roth (Hostel, Hostel 2 ou The Green Inferno). De facto, o clássico The Wicker Man (1973), com quem se comparou, também sobre um culto pagão mas nas ilhas Hébridas, pode ser visto como uma alegoria do temor anglo-saxão à emergência da Celtic Fringe, e ao renascimento escocês.
Contudo, este temor ao estrangeiro em Midsommar está matizado por certo atrevimento formal e pelo acento em duas questões: a incapacidade do homem (Christopher) para entender a mulher (Dani) como eixo central da história e a existência duma saída à alienação do mundo desenvolvido abraçando uma filosofia new age, de conexão com o entorno natural, comunitarista, inspirada em elementos matriarcais e espirituais. Sem querer desvelar o desenlace, a conclusão não pode ser mais pessimista: a resolução dos problemas emocionais de Dani é possível em Hårga, mas a custo de ficar presa a novas cadeias. Portanto, não existe uma alternativa real ao mundo do que Dani procede, sem pagar o preço da perda da própria identidade no intento de alcança-la.
Para além da complexidade temática e da atrevida proposta formal, Midsommar está salpicado dum gore potente e imprevisto e de pequenos detalhes cómicos. As dicas sobre a história estão sugeridas desde o começo em discretos segundos planos. Não admira que fosse inicialmente concebido como um slasher, porque no segundo acto empreende um body count que ajuda a transitar cara o clímax apesar da longa duração do filme. Só dá para lamentar algum pequeno buraco no guião que, não obstante, não estraga o conjunto.