Interessante proposta retro

A finais da primeira década deste século e inícios da presente, parecia emergir um novo género baseado na reinterpretação do thriller all’italiana; justo quando este dava as suas últimas alentadas com títulos menores e com o imparável declive de Argento. Sem serem os únicos, os máximos responsáveis deste gosto renovado pelo giallo seriam os belgas Hélène Cattet e Bruno Forzani com o seu belo filme de culto Amer (2009).
Este início em torno ao ano 2009 marca também uma certa ramificação, mostrando que o único elemento comum são os clichés do género: Cattet e Forzani apostam pela via experimental (L’étrange couleur des larmes de ton corps), Peter Strickland oferece uma homenagem tangencial com Berberian Sound Studio; com Masks, Andreas Marschall recria o universo de Argento; Julien Carbon e Laurent Courtiaud realizam um exercício de mestiçagem com Les Nuits Rouges du Bourreau de Jade, a paródia The Editor corre a cargo dos canadenses Adam Brooks e Matthew Kennedy; e não falta uma certa ortodoxia italiana (Tulpa – Perdizioni mortali, de Federico Zampaglione e guião dum clássico no género: Dardano Sacchetti). Além disso, realizaram-se bastantes curtas (e alguma longa) independentes ou de baixo orçamento com resultado díspar.
Nesta saída de Itália, o neo-giallo chega a Argentina em 2013 da mão de Luciano Onetti com Sonno Profondo; um projeto dirigido dum modo muito pessoal e bem acolhido pela crítica na altura. Não partilho este entusiasmo. Sem deixar de ser um produto interessante, o carácter deambulatório da história e o despersonalizador estilo de rodagem bem podem fazer que Sonno Profondo provoque exatamente o que anuncia no seu título. Felizmente no seu segundo filme, Francesca (2015); o realizador adota uma posição de maior centralidade entre a fidelidade ao velho género e a orientação experimental do novo.Em Francesca, os inspetores Bruno Moretti (Luis Emilio Rodriguez) e Benito Succo (Gustavo Dalessanro) seguem o rasto dum assassino em série de crimes brutais. O seu modus operandi inclui deixar moedas sobre os olhos das suas vítimas e um papel com citações de Dante. Os assassínios parecem estar ligados à misteriosa desaparição 15 anos antes de Francesca, filha do famoso escritor Vittorio Visconti (Raul Gederlini).E neste argumento, clássico whodunit, temos quase todo o que se pode encontrar num giallo: luvas de coiro, pesquisas, interrogatórios, objetos pungentes, lâminas de barbear, garrafas de J&B, brinquedos reposicionados em contextos sinistros, vermelhos saturados… O próprio realizador ocupa-se da música, inspirada de modo claro nas velhas trilhas sonoras de Morricone, Nicolai ou Goblin. A textura da imagem é granulada e até está dobrado a um “peculiar” italiano. Todo recria um giallo clássico apenas matizado pelo toque pessoal de Onetti.Neste caso, também a substância perde relevância em favor do estilo; e assim temos uma narração bastante simples que, contudo, é bastante mais coerente do que as disparatadas histórias italianas que homenageia. Destacáveis são as sequências oníricas e a espectacular cena inicial. E, se de alguma coisa sentimos falta, é de certo erotismo comum neste tipo de produções; aqui praticamente ausente. Porém, o único realmente a lamentar é uma distribuição que faz este filme pouco acessível. Merece o esforço procurar.

  • O melhor: Os apaixonados do giallo encontrarão exatamente isso, um giallo que até parece rodado na década de 1970.
  • O pior: A história é totalmente secundária a respeito dos aspetos formais.

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