«I am dead, yet I live»

Iniciamos o presente ano com o anúncio da revisita de vários clássicos da ficção audiovisual, esperançados com que as novas produções alargassem universos conhecidos que nalguma altura das nossas vidas significaram algo. Infelizmente, por enquanto, não parece que os propósitos destas produções vão além de fazer caixa explorando a saudade.
Esse era certamente um risco na recuperação de Twin Peaks (1990-1991), passados 25 anos do filme. Mais ainda se comprovamos como se introduz nela a maior parte do elenco original. Outra eventual ameaça é a que se deriva do possível enfoque escolhido pelo realizador, sempre tendente à opacidade narrativa.
E, certamente, a exploração da saudade existe. Mas esta exploração é um olhar amargo sobre o passo do tempo, não apenas pelo deterioro físico dos personagens, como também pelo que nos mostra a sua evolução nesta parêntese de duas décadas e meia. Os moradores de Twin Peaks conservam a comicidade da série nesta temporada que inicia, mas há algo de doloroso nessa comicidade.
Este Twin Peaks: The Return é também significativamente mais escuro que a série precedente, talvez na linha do filme Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992). De facto, há momentos que entra de sobra em terreno experimental. Não chateia. Estes primeiros quatro episódios têm algo de hipnótico; certamente devido à magistral capacidade de Lych para gerar atmosferas sinistras. A confusão inicial e a complexidade narrativa acrescentam um elemento de terror face a imprevisibilidade do argumento. Uns quatro capítulos que, apesar do ritmo pausado, mantêm diante da tela a base duma efectiva alternância de surpresa e antecipação.Twin Peaks: The Return abre o foco para tomar como ponto de partida linhas narrativas díspares. Por um lado temos o Alojamento Preto, lugar extra-dimensional onde leva 25 anos preso o agente Cooper (Kyle MacLachlan) junto do Gigante (Carel Struycken), de MIKE (Al Strobel) e dos fantasmas de Laura (Sheryl Lee) e Leland Palmer (Ray Wise). Cooper deve abandonar o Alojamento Preto e retornar à realidade para confrontar o seu duplo Bob (interpretado também por MacLachlan).Outro dos pontos de partida é uma estranha caixa de vidro num armazém de New York propriedade dum misterioso magnate, quem paga ao jovem Sam Colby (Ben Rosenfield) para vigiar eventuais aparições no seu interior. Durante as suas vigilâncias, resiste aos intentos de sedução de Tracey (Madeline Zima).Do mesmo modo, o argumento salta para Dakota do Sul, onde tem lugar um horrível duplo homicídio; do qual culpam ao director dum liceu local (Matthew Lillard).Seguimos também Bob numa vaga missão criminosa. E aos agentes do FBI Gordon Cole (David Lynch) e Albert Rosenfield (o recentemente falecido Miguel Ferrer), quem assumem a pesquisa de dois casos em aparência inconexos.Para além duma trama em Las Vegas que é melhor não desvelar aqui, resta a vila de Twin Peaks, onde o chefe Hawk (Michael Horse) começa uma pesquisa seguindo as crípticas indicações da anciã Margaret (Catherine E. Coulson), cuja lenha revelou-lhe que alguma evidência relativa à desaparição do agente Cooper está perdida, e que tal evidência tem a ver com a herança cultural indígena de Hawk.
Como encaixarão todas essas peças? É um mistério. E não porque não seja possível formular hipóteses. É que os giros de guião, os non-sequiturs ou o próprio elemento sobrenatural, desaconselham essa possibilidade. Apenas resta ficar atento aos episódios vindoiros na espera de que mantenham o excelente nível dos quatro primeiros. Porque, com certeza, os quatro primeiros deixam ganas de mais.

  • O melhor: A atmosfera surreal que faz com que a trama seja imprevisível e que mantém a série a um nível que vai além do simples revival.
  • O pior: A (ainda) suspeita de que o elemento sobrenatural age como uma espécie de Deus ex machina que desenvolve de maneira decisiva o argumento.

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