Família só há uma

Famílias que dão ganas de abandonar o ninho.

As recensões laudatórias, que se estão a dar nos últimos anos, de certos produtos inscritos no género de terror, deveriam pôr-nos já em guarda. Principalmente quando vêem de sectores da crítica que ignoram ou detestam o próprio género.
E não é que Hereditary, debute na realização de Ari Aster, careça de méritos. O filme assenta-se nessa célebre frase de Jean Paul Sartre segundo a qual «A família é como a varíola: apanha-se em pequeno e deixa marcas toda a vida». No enredo, e apesar de brincar com certa ambiguidade durante boa parte da metragem, a doença que infecta a estirpe dos Grahan tem uma esquisita origem sobre-natural; enraizada em determinados segredos domésticos que se desvelam aos poucos e que nos mostram que não estamos face uma simples família com tendências auto-destrutivas.

As maquetas funcionam como alegoria da opressão e encerramento familiar.

De facto, a história narrativa arranca com um funeral, pelo que nada há de extraordinário nos episódios de depressão que interpreta com notável habilidade Toni Collete, no papel da errática Annie; de luto pela morte da sua mãe abusiva, encerrada num matrimónio sem amor e alienada da prole. Nada é assim tão singelo.
Aster procura influências nos clássicos sobre-naturais dos anos 70, muito particularmente em Polanski. Há também reminiscências de outras obras por volta de possessões, como The Exorcist ou The Omen. De modo explicito contorna as referências do terror mais comercial e sensacionalista, e por isso a crítica adora. Não se pode negar que este acercamento tem algo de interessante, mas convém não levar-se a engano e constatar que fica longe das grandes fitas desta tradição.

Tudo é muito chato até que acontecem coisas como esta.

O terror sobre-natural tem dificuldades crescentes num mundo progressivamente secularizado. A sua efectividade depende, em boa medida, da sua capacidade para envolver uma plateia cada vez mais indiferente à espiritualidade e à religião. Aqui, Hereditary tem um problema que não resolve bem é que tem a ver com o ritmo. Em demasiadas ocasiões, as sequências alargam-se de maneira desnecessária e provocam uma sensação demasiado parecida com o tédio. O enredo oferece pequenas dicas que justificam a resolução, mas também está cheio de “red herrings” para semear confusão no espectador. O clímax é um festival de “non-sequitur”que apenas pode achar lógica no elemento “fantástico” da história.

Milly Shapiro apenas anda por ali e já mete medo.

Mas falamos em que tinha méritos. Mencionamos o bom trabalho de Collete e poderíamos acrescentar no âmbito das interpretações a pequena Milly Shapiro. Há que reconhecer também que os dilatados momentos de aborrecimento são bruscamente interrompidos por cenas de verdadeiro impacto emocional. Em conjunto, Ari Aster consegue fazer um bom trabalho na criação duma atmosfera opressiva, correctamente simbolizada nas maquetas nas que trabalha Annie, e pincelada de modo subtil nas referências à predestinação contidas na tragédia grega.
Mas é preciso não exagerar.

  • A favor: Atmosfera e caracterização dos personagens.
  • Em contra: Ritmo e acolhida entusiasta da crítica.

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