Iniciávamos Mal de Olho com uma crítica em tom positivo de Arrival e assinalávamos que o seu realizador, Denis Villeneuve, tinha a missão suicida de oferecer uma continuação ao clássico de Ridley Scott, Blade Runner.
Blade Runner é um filme de culto que não merecia sequência alguma. Ainda mais quando as sequências acostumam a desincentivar a criatividade, uma vez que parte do seu êxito comercial parece derivar-se da glória da primeira entrega. O bom desempenho de Villeneuve até o momento fazia suspender de modo provisório qualquer suspicácia a respeito de Blade Runner 2049. E, embora este filme comece assassinando uma das principais incógnitas do seu antecessor com uma miserável introdução textual; rápido vemos que na fotografia, a trilha sonora, a atmosfera e o tom, consegue-se recriar e alargar o universo distópico da original adaptação de Philip K. Dick. Infelizmente, também não demora em mostrar-se a imagem e o tom como pilares fundamentais nos que se sustenta uma história de escasso interesse.
Nela, 30 anos depois do confronto entre Rick Deckard (Harrison Ford) e Roy Batty (Rutger Hauer), existem já replicantes obedientes que não têm alma. Quem melhor que Ryan Gosling, com as suas olhadelas e expressão glacial, para encarnar um protagonista emocionalmente vácuo? Aqui interpreta K, replicante policial que procura velhos replicantes rebeldes. Numa das suas missões, descobre a possibilidade milagrosa de que os replicantes se podam reproduzir como qualquer ser biológico normal. Esta eventualidade deve ser evitada a todo custo porque (de algum modo que não se acaba de precisar) isto conlevaria à quebra da ordem social.
Intermináveis diálogos soporíferos, existencialismo das barracas e buracos no guião mais grandes que o que provoca Rick Deckard a Pris (Daryl Hannah) no primeiro filme; estão longe de ser compensados por umas potentes cenas acção que acabam por resultar breves e escassas. Deckard aparece no final duma metragem que não tem já possibilidade alguma de redenção e que propõe fundamentalmente os mesmos temas que o primeiro filme, só que pior. A alienação numa sociedade urbana distópica, a inautenticidade emocional, o colapso ecológico, o consumismo exacerbado ou a relação entre a identidade e a memória; eram melhor expostos sem diálogos eternos que não provoquem uma pequena dose de embaraço. A possibilidade de empatia com algum personagem é tão remota como o ano 2049. Não incomodam vários pontos no ar do guião porque, quando um é consciente de que se vão produzir, está a desejar que o filme acabe de qualquer modo.
É visto que a aprovação de Ridley Scott, envolvido na produção, não é garantia de rigorosamente nada. Blade Runner 2049 perder-se-a no tempo. Como lágrimas na chuva. Como todas essas sequências, nas que este ano foi tão prolífico, que esgrimem como principal argumento a exploração da saudade.
- A favor: A fotografia.
- Em contra: Insubstancialidade global.