Animais de estimação

Sim, não são verdadeiros velhotes.

Depois de padecer a exageração dos méritos dalgum engendro cinematográfico engordado pela crítica, é de justiça deter-se no caso contrário. E American Animals, de Bart Layton, é um exemplo cruel de filme subvalorizado que merece toda a nossa atenção.
Um dos valores desta comédia reside na decisão formal de mover-se na fronteira da ficção e o documentário. American Animals está baseado num facto verídico, cujos protagonistas reais interrompem a cenificação para achegar matizes e comentários à sua façanha adolescente. O jogo da representação do narrado, das correcções na história e das contradições entre as diversas versões da mesma; acaba por conformar uma interessante reflexão sobre a memória e sobre a própria ficção. Não obstante, e apesar dalgumas críticas que assinalam o contrário, os méritos de American Animals vão para além do meramente formal.

O real e o actor.

O enredo versa sobre quatro adolescentes membros dessa massa excluída da “popularidade”, marcador essencial de status nos liceus norte-americanos. Dentro do seu quotidiano de classe média, são assaltados pelas incógnitas que propõe o futuro nessa fase da existência que se conhece como “transição para a vida adulta”. Então um deles, Spencer (Barry Keoghan), descobre uma possível saída a tanta incerteza: o roubo na biblioteca universitária de Transylvania (Kentucky, não Roménia) duma valiosa edição de The Birds of America do pintor John James Audubon. A venda do livro de ilustrações forneceria a necessária tranquilidade financeira aos amigos para afrontar o porvir sem angústias. Como Spencer não parece ter a audácia para empreender o roubo, será o temerário Warren (Evan Peters) quem puxe do colega e envolva os outros dois, Eric e Chas (Jared Abrahamson e Blake Jenner), na planificação do assalto.

Um põe a ideia e o outro o atrevimento.

É preciso ressaltar que Bart Layton consegue desenhar um retrato entranhável do grupo, com o qual simpatizamos de modo imediato; chegando a desejar o seu sucesso numa missão que é evidentemente muito para ele: são amadores, descuidados e não estão familiarizados com os circuitos criminosos ou artísticos que lhes permitiriam evitar o arresto. A execução do roubo possui momentos de cair no chão a rolos com o riso. Mas não é um riso cruel, senão piedoso. O grupo real intervém para reconhecer-se, entre envergonhado e hilário, nos seus erros passados.

Preferimos o Spencer da ficção.

Contra a tendência em deixar na margem American Animals das principais produções estreadas no presente ano, eleva-se aqui a uma das principais recomendações; de modo singular, se desejarem duas horas de entretenimento e diversão.

  • A favor: intrepidez formal na mistura de géneros.
  • Em contra: exageração do dramatismo nalgum momento específico do enredo.

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